segunda-feira, 3 de outubro de 2011


o Espetáculo como paródia da espiritualidade:

Debord escuta.
ele ouve a palavra autista da grande mentira se auto-glorificando sem fim. se auto-justificando sem fim. se representando em homens infames.
ele acusa a representação pelo afastamento da verdade, agora "invertida", e o triunfo da imagem contra a realidade.
... ele percebe que isto tudo é uma grande paródia. ele vislumbra a verdade, ele vê os seus contornos. ele ama o verdadeiro.

mas o seu materialismo não é dialético até o fim: nunca fez a negação de sua negação primária . ele não conhece esta negação e por isto algo lhe falta. a peça que lhe permitiria montar todo o puzzle, ele não a tem consigo.
hic rodes, hic salta:
porque em nenhum momento Debord se pergunta onde a representação se faz necessária? porque ele parece ignorar completamente as perguntas que a sua própria teoria faz surgir?
a saber:

se a verdade foi invertida e reinvertida pela Grande mentira, como ele próprio admite, onde então a verdade estará em seu lugar?
onde então a representação não é contigente? onde ela é necessária? onde a realidade só pode ser enquadrada pelas categorias do "Espetacular"?
onde a separação é uma condição para o "religar"?

R: nos domínios da espiritualidade.

toda a paródia que ele percebe é a paródia que este "mundo da mercadoria", isto é, mundo da coisa morta no trono, faz dos desafios e promessas do caminho da espiritualidade.

"progresso", "desenvolvimento", "livre-escolha", "ascensão", são termos cujo pleno sentido só aparece quando são devidamente relacionados com o "progresso", "desenvolvimento" e "livre-escolha" do espírito.
rebaixados ao sentido material, de haveres e triunfo dos homens e das nações, deles fica só a imagem, só o Espetáculo de sua verdadeira realidade.

quanto à representação:
o Real em si não pode ser diretamente vivido.
isto já sabiam os gregos (Perseu e a Medusa), isto Moisés ouviu no Sinai: para nós isto é morte. é o choque irreversível, o thaumazein da catatonia. é preciso a mediação da Arte.

porque o transcendental é a realidade a que toda imagem e toda forma aludem. aqui a representação é necessária.
é a única forma de relação possível: a teatralidade em nós, imagens do Real pensante, imagens do Real relacional: teatralidade.
só no âmbito do transcendental a separação é fato e pode ser desfeita apenas ("religare") dentro do verdadeiro espetáculo da Representação/Significação.

é esta realidade que o Mundo da mercadoria inverte.
é esta realidade que ele parodia.

é isto que falta dizer no livro de Debord.